terça-feira, 2 de dezembro de 2008

cálida forma esfinge e abismo reverberando tuas dores de poetisa cáustica descascando as tintas das minhas paredes vermelhas verdes violetas veras victórias são os nomes de todas as putas imaculadas em carne e osso e pão e vinho nestas tuas lágrimas de pedras, de cristais tão preciosos que nem podemos tocá-los...uma cousa assim tão frágil e delicada que dói de existir...
...não posso dizer o contrário de nada. Há uma ruptura qualquer nestas cascas de vida, um intervalo no tempo e no espaço, entre um vagão e outro...uma imagem congelada entre as colunas dos teus templos. Eu me sinto absorvido por estas frestas que cruzam o meu corpo, como um feixe de luzes explodindo em cores nos meus quartos e quintos escuros. E é por forjar tais contornos insustentáveis para nossas janelas que me atiro nestes meus vazios...no vão que se abre entre um pensamento e outro...entre a respiração e a inspiração...Não pode haver coordenada para tal lugar, inexistente múltiplo, como o somatório de todas as não-decisões ao longo de uma vida inteira...
...retorno à página anterior, como se pudesse recuperar o que imaginava ter sido um eu-sendo, uma aparição no mundo, uma impressão fugidia me queimando a alma...uma certeza incontornável de uma existência, de uma persistência transfigurada pelo tempo, de um corpo nu desfigurando-se...desvelamento, assombro...o tempo inteiro a insustentável vertigem de precipitar-me para dentro dos buracos do meu corpo...com todos os teus degraus e pântanos de vísceras embebidas em sangue em álcool em restos. Como posso controlar-me desses assédios inescrupulosos de pensamentos tortos(?); como posso proteger-me das minhas fomes de tudo (?)...dessa fome que me dá a exata noção de peso e existência...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

...ouço a voz dos dez corpos que te rodeiam, vazios...o espaço estranho do teu corpo transitando pelos buracos das paredes do segundo corpo...o olho que vê expõe a sua catarata de uma distância oceânica tropical cimentando imagens de catálogo o décimo primeiro corpo ou vigésimo quinto seio é o seu que me umedece os olhos como uma mãe farta de ternura de um meu corpo no teu corpo respirando o seu ar úmido como uma sombra guardada em potes vazios... vazio que se tornou o nosso amor e se tornou para entornar-se, magma incandescente e outra vez com a volúpia dos teus delírios da carne crua que eu preparo para nosso almoço nu, com umas sobras dos restos da poeira das tuas drogas que eu insisto em chamar-te farinha, pedra, giz, um bocado de línguas afoitas e o seu desejo cada vez mais te deformando a alma e o teu corpo pesando quatro décadas se curvando sobre o meu sono como numa caldeira fervendo nossas vísceras pronta para explodir o seu sêmem e o meu sêmem no seu dorso cor de rosa sobre a colcha de retalhos que você se tornou e me tornou uma pequena grande confusão de barrigas grávidas nos meus braços e as crianças que brincavam na calçada derrubando as nossas janelas pra dentro da casa e os teus vidros quebrados cortando nossas gargantas cansadas de um cansaço longo mais longo que tuas pernas agora ríspidas pontes de metal entre dois países tão distantes que nos tornamos e nos entornamos mais uma vez o vinho o vinagre que guardaste todos esses anos numa espera cheia de impaciências de idas e vindas da janela da porta da rua e a sua espera desesperada querendo ver um carro um ônibus um avião cruzando a esquina que mais dói dentro de mim....

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

dos andores

...foi por transportá-la para tais cumes que tornei-me invisível, aderido à poeira, submerso nas colunas dos teus andores...corai-me com o teu esquecimento; dá-me o deleite de entrever a tua parte mais comum, nem melhor nem pior; dá-me o que não se sustenta ...o momento em que desfalece o músculo do seu riso...dá-me o seu cansaço, o seu silêncio...Existe uma procissão lá fora te beatificando, devorando a tua carne de palavras, cravando rosas no teu cílio, sangrando uma devoção de borboletas...deslizas calma destas tuas vestes, nua...deixa esse edifício de ornamentos; ele se sustenta sem a sua presença...foge comigo pelo vazio indecifrável do meu peito...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

...e o tempo forja para mim todas as possíveis limitações do meu desejo...
Fracasso, ora por amar demais, ora por tornar-se turva a lâmpada do quarto quando o sol é nascente;
Como crisálida forma, irrompe da casca dos lencois e com tuas tenras asas rasga o céu que agora tomba azul sobre as persianas... sofro ao ter que conter o impulso infinito de dar-lhe o preço de mil demônios fitando o espaço de uma vida;
Não é necessário mesmo vê-la subir e torna-se tão grande quanto invisível...e até creio que falo assim por respeitar teus sonhos e por querer pincelá-los com flores de alecrim...
(parte resgatada de manuscritos anônimos encontrados nos escombros e baús do passado...parte poema reinventado e atualizado...)

terça-feira, 22 de julho de 2008

a-parição



nunca houve um antes de tudo...
não havia escribas nas janelas,
a tua imagem insuportavelmente perfeita
eu escavei de um tempo que de tanto
deita seu infinito calmo, sem fronteiras
desespero...

o teu nome grudado na íris de todas as noites
eu te esculpi no meu silêncio
eu te talhei com a minha boca
te parindo e te devorando
eu te criei maior do que eu
regorgitando a poesia
macerando palavras

nascente da ebulição
infiltra no meu corpo a tua memória
provoca em mim estas rachaduras
dá-me o caos dos teus jardins de borboletas

sou a tua parte escondida, suspeita
me arrastando por entre os móveis do teu corpo
lustrando as tuas pernas
com meu hálito quente

sou a tua segunda pele
sou a tua primeira pele
o teu vazio por dentro
o teu peso
sou o funâmbulo
o cílio de sisal que te pende sobre a praça
sou a queda abrupta
o corpo estendido sobre o teu...
...é preciso saber morrer quando se ama...